O sexo acaba? O desejo sexual pode ser aniquilado de um corpo? O que podemos chamar de sexo? De onde vem o desejo? Estas perguntas podem ser um tanto banais, mas será que são mesmo? Pela psicanálise tudo está relacionado ao sexo e sexo não é bem o que pensamos ser, mas não irei aqui abordar tratados psicanalíticos e seus desdobramentos filosóficos. Quero falar de algo real, do abandono que está presente em nossos dias. E vou falar do único lugar que posso falar, do ponto de vista de uma mulher de 54 anos.
Primeiro, ninguém fala para as mulheres o que vai acontecer quando seu corpo começar a envelhecer. Existe um acolhimento quando ficamos férteis, quando começamos a menstruar. Nos dão presentes, o pai todo orgulhoso chama a garotinha agora de mocinha e toda a sociedade passa a olhar para ela. Debutamos aos 15 anos, como se nos oferecessem às feras como a carne mais fresca. Considerar mulher a menina que menstrua é o início da cultura do estupro. Muitas garotas menstruam muito cedo, 8, 9 anos. Tratar uma menina de 8 anos como uma “mocinha” é uma atrocidade. Ela não tem corpo, não tem cabeça e nem condições de entender tudo isso que se passa. Uma pessoa que menstrua ovula e pode ficar grávida, mas uma criança de 9 anos não tem possibilidade física nem mental de gestar, passar por um parto e muito menos de criar um bebê. Passamos nossa vida inteira, desde muito meninas, ouvindo: sente direito, não fale assim, não coma assim, depile as pernas, penteie o cabelo desse ou daquele jeito. Não podemos decidir sobre nossos corpos. Mas os outros têm direitos, a sociedade lhes dá o direito. Beijo roubado aos 14 anos por um homem de 35. Tio com a mão boa, amigos que não cuidam de suas amigas em festas, nos bares, nas ruas. Piadas machista, futilidades e muita pressão para se enquadrar em um modelo de mulher que nunca devia existir.
A sensação que toda mulher terá um dia é que vive uma vida inadequada. Que não cabe em todos os moldes que lhe impõem.
Segundo, ninguém fala para as mulheres o que vai acontecer quando seu corpo realmente envelhecer. Ao contrário do acolhimento lá no início, na menarca, somos abandonadas. Se fala pouco sobre a menopausa. O período dos calorões, mas não é só isso. Ninguém nos fala que o corpo, que antes era forte e disposto, vai decair tão rápido que vai nos assustar, nos deprimir, mudar nossa forma de olhar para nós mesmas e para o mundo. O espelho é diferente a partir desse momento e os desejos morrem. Deve ser por esta razão que muitas de nós fica empoderada, fica confiante, torna-se dona de si, pois o corpo não é mais objeto de desejo de um imaginário coletivo. Passamos a desconfiar de todas as pessoas, após tantos enganos, tantas traições. O sexo passa a ser uma ocasião e muitas vezes diremos não, pois sexo pelo sexo não faz mais sentido algum. Temos a consciência de um corpo divino e para poder permitir que outra pessoa se aproxime tem que haver mais do que tesão. Os hormônios não existem mais para nos enganar, para nos fazer achar que tesão é amor. O amor passa a ser outra coisa e quase impossível de se encontrar. Do lado de lá, o mundo nos apaga. Não há mais o flerte, a sedução. Ninguém quer alguém que não esteja em plena forma. Os pensamentos não importam, pois nunca se ouve a outra pessoa. Não há escuta verdadeira, há um falatório auto vangloriante. Mas para quem amadurece, tudo é novo quando vemos pela primeira vez.
Tenho pensado sobre o envelhecimento e o quanto isso também é tratado de maneira machista. Nenhum homem passa pelo que nós passamos. Eles não passam medo pelos seus corpos e nem precisam criar uma personalidade tão forte a ponto de suportar todas as violências de uma vida.
Se eu tivesse uma máquina do tempo, voltaria para minha infância e aconselharia a menina Renata a ler mais, escovar bem os dentes pelo menos três vezes ao dia e não dar ouvidos aos garotos que la chamam de burra. Alertaria a menina Renata para não se apaixonar, nem para confiar em mulher ou homem que a elogiasse muito.
Se eu tivesse uma máquina do tempo eu não voltaria.
O homem está só
caminha
em suas voltas
e a linha invisível que o
emaranha
são suas correntes
seus equívocos
seus retornos
A terra gira
mais uma vez
e o homem
só
está sem saída
neste caminho
que avança
O chão sob seus pés
geme
como as mulheres
amordaçadas
é frágil seu olhar
que só
vê
o passo e nada além
Do ponto em que
está
só o homem
flutua e lembranças
e se afoga
na urgência
das possibilidades
Suspira
este homem que é
todos os homens
só
está num único
e mesmo
momento
A civilização não se vê na história do tempo
Flavia Quintanilha
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